Monday
- September, 9th
Ninguém faz ideia
do quanto dói.
Ninguém nunca
perdeu o que eu perdi. O que eu fiz a burrada de conseguir perder.
Não bastava ser irmão, ainda tinha que ser gêmeo. Tinha que ser a
pessoa que eu mais amei no mundo.
E um susto, uma
pancada tão grande que a ser irreal, fica difícil de acreditar.
A única resposta
que eu lhe peço, mãe, é como. Como eu vou conseguir viver sem ele?
Como?
Se puder, só me
diga isso, e sem nenhuma lágrima, para não piorar ainda mais.
Você
não sabe de tudo ainda.
Pior
ainda.
E
eu achando que não dava para piorar... nunca se diz isso, afinal,
nunca se está realmente ruim. Ou nunca se sabe o quão ruim está.
Dona Morte parecia não querer me incomodar mais. Não tanto, ao
menos. Meu coração ainda batia forte no peito, apesar de tudo.
Sorte que eu não me deixara levar pelos acontecimentos.
Sorte?
Não, essa não é a palavra certa. É algo um pouco mais detestável
que isso. Eu me obrigo, agora, a me manter sóbrio. Cair na bebida
não adianta de nada.
Posso
não estar com medo de morrer, e talvez seja por isso que ela não
mais venha me visitar. Só que, seja com ela ou sem, ainda dói. E
pior, não é aquela dor que passa com remédio. Já me levaram no
médico, e se bem me lembro, entrei e saí calado. Podem ser dois
meses, entretanto, ainda tenho toda a cena completamente viva na
minha cabeça. Não me persegue tanto quanto no primeiro mês, só às
vezes. E parece ser bem mais horrível e realista do que antes.
E
dói mais também. Não aquela dor física. É uma dor psicológica,
mais forte que a de um coração partido. E deve ser mais dolorosa
que a perda de um filho, um parente. Aquela dor que começa no peito,
te enche de lágrimas e vai dominando todo o corpo. A gente fica
mole, não quer se mexer, não quer fazer nada...
O
tempo não quer passar. Cada segundo é pior que o anterior. Só
ficar deitado já não é feliz. Não quero comer. Não quero tomar
banho. Não quero falar. Não quero ver amigo nenhum. Remédio? Sai
pra lá.
Acabei na bebida. E, cheguei ao resultado de sempre, negativo. Só
acabei dando mais trabalho para minha mãe. E o como, continua sem
resposta. Não há como viver sem ele.
Eu não quero. O problema é que sei que preciso.
De acordo com meus planos, para mudar a minha vida para melhor,
tenho que passar por essa coisa... não acho nem a palavra para
descrever. Ao abrir a janela, de manhã, o sol clareava a paisagem de
nossa rua. Me bateu um ânimo... não parecia ser doloroso o que eu
tinha planejado para o dia. Só tinha que esperar o tempo passar,
oito horas da manhã é um pouco cedo para ir telefonando para a casa
dos outros. Dos preguiçosos então...
“Saindo de novo, filho?”
“Ahm... é mãe.” Me pegou desprevenido. Não pretendia falar
com ela agora, achava que tinha saído. Não dera sinal de vida
quando eu desci para comer.. “Vou falar com os Gês.”
Ela sorriu, me dando ainda um pouco mais de coragem. “Que bom,
querido! Fico feliz em te ver assim, mais disposto. Boa sorte.”
Retornou ao sorriso, agora mais aberto, cheio de amor. Sorri de lado,
dando tchau e saindo.
Amo aquele sorriso.
“Bill e Jake sentados no sofá, eu na cadeira. Ambos conversavam e
eu apenas fingia assistir ao filme, mas estava mesmo de orelha em pé,
prestando atenção no papo dos dois. Meu irmão sabia disso. Ouvi
que o assunto agora envolvia meu nome, provavelmente a pessoa também,
junto de algumas rápidas olhadelas. 'E o Tom? Responde!!' Ele
nunca me contou qual era a pergunta, já que eu não deveria ter
ouvido, mas sorri de lado. Ao me olhar de novo falou, baixo o
suficiente para eu escutar: 'Amo aquele sorriso'. Jake pegou
o rosto sorridente dele e virou para si, enquanto eu ria.”
Fiquei feliz, o pouco que conseguia, ao relembrar a cena. Jake, o
ciumento...
Ao virar uma esquina, reparei que era a rua de Gustav. Ops. Estava a
poucos quarteirões da linha de chegada e nem sabia se ele estava em
casa e se Georg conseguiria ir. Moravam perto, então... espero estar
com sorte. Fui dando uma desanimada volta no quarteirão enquanto
avisava rapidamente Gustie da minha visita.
Não ia esperar chegar lá para ter que esperar pelo amante da
chapinha um pouco mais. Disquei o velho conhecido número, ainda
guardado em minha memória. Não deixou nem o telefone tocar.
“Alô?” A voz atendeu, insegura.
“Ehm... Georg?” Sabia que era ele, só queria ver o que iria
falar. Tinha o grande costume de não olhar o visor.
“T-Tom?!” Se atrapalhar com meu nome é complicado, mas
ele conseguiu. Incrível. Constatei que setia saudade deles muito
mais do que imaginei.
“Ele mesmo.”
“Caaaara! Quanto tempo garoto!” Estava visivelmente
feliz.
“Então, então.” Comecei minha segunda volta no quarteirão.
“Mas não tenho vontade de falar no telefone, tá livre?”
“Poxa...” A impressão que me deu era de que estava sim,
ocupado. Porém, vou me fazer de importante.
“Ah, vai Gê. Faz tanto tempo... Vamos, vai lá para o Gustie que
eu já estou a caminho. Por favor.”
“Você me quebra, Tom. Tá, to indo.” Disse rindo.
“Oba!” Não cheguei a rir, somente sorri, e estava realmente
feliz. Feliz em ver que ele ainda é o mesmo.
Ao terminar a volta, continuei com calma, em linha reta, os quase
três quarteirões, para ver se o cabeludo não demoraria muito mais.
Não que eu fosse careca, mesmo assim...
Toquei a campainha. A porta abriu num rompante, me assustando.
“Tom!!” Gustav veio me abraçar. Ele parecia estar um pouco mais
gordinho que da última vez que o vi... que não consigo nem lembrar
quando foi.
“Eeeei amigo! Daí...” Me mandou entrar, mas nem deu para dar
dois passos e outros braços me apertaram, me fazendo comer cabelo.
Não era gostoso.
“Garoto, garoto, garoto... que bom que está melhor.” Declarou,
me soltando.
“Que bom que eu pareço melhor.”
“Só tá um pouco magro demais, né?” O loiro percebeu... mesmo
que soasse meio irônico.
“Vem, senta aí. Faz tempo que não nos juntamos.”
“A casa é minha, Georg.”
“Tudo bem, Gustie, eu sei que você ia pedir o mesmo. Obrigado por
me receber.” Era estranho falar tudo devagar, com algumas pausas,
enquanto minha mente trabalha a mil milhas por segundo. Tímido como
era, só deu um sorrisinho.
Outra coisa estranha. Eu tendo forças para levantar a bunda da
minha cama, sair de casa, ir até a de meus amigos e conversar com
eles, como se nada tivesse acontecido. Eles deviam notar que eu não
estava realmente feliz... mas sim fazendo um esforço para tentar
ficar, porque era alegre estar com eles novamente. Mesmo na falta da
melhor companhia.
“Tom?”
“Hm? Desculpem.” Os dois se olharam. É, estavam notando.
“Sua mãe passou o recado que nós deixamos semana passada?” O
maior perguntou.
“Que eu me lembre... ela não disse nada.” Um mal pressentimento
me invadiu.
“No seu aniversário?” Continuou Gustie, já não tão animado.
Ele sempre é tão compreensivo.
“Aniversário.” Murmurei, bem baixo. Olhei para eles, juntando
as mãos. Eu não estava recuperado, tão melhor. Tive uma
excessiva piora nesse dia... trágico. Parecia incrivelmente trágica,
essa porcaria dessa data (só parecia, claro). As lágrimas estavam
prestes a me dominar.
“Calma Tom. Desculpe.” Disse o loiro, em voz baixa.
“É cara. Não estamos acostumados...”
“Nem eu Georg. Esse é o problema. Não dá para se acostumar!”
Nunca conseguia entender o que me invadia. Dor, tristeza, raiva. Tudo
era tão incompreensível quando se tratava daquilo. “Eu
consigo ouvir os gritos dele. Consigo ver as atrocidades que estavam
em seu corpo. O sangue...”
“Tom, se controle. Não precisa falar sobre isso.”
“Preciso sim. Acho que vocês querem saber o que exatamente
aconteceu com meu irmão.” Dei uma fungada e limpei uma lágrima
antes que caísse. Não seria fácil, mas já estava na hora de
desabafar.
“Não quer um assunto mais... ameno?” Gustav... o bom e velho
Gustav. Sempre querendo ajudar... sempre sabendo o que seria melhor
na situação. Se fosse ele no meu lugar, naquela noite, talvez não
agisse por impulso, como eu agi. Uma ligação poderia salvar a vida
de Bill. Uma ligação que eu não fui capaz de fazer. Neguei a
proposta.
“Acho melhor um copo de água, Gustie. Ele quer falar.” E nós
queremos saber. Completei mentalmente, vendo que era isso que seu
olhar dizia. Fosse ele para mim, ou para nosso amigo. Quando este
saiu da sala, ele piscou os olhos verdes antes de me perguntar. “Você
alguma vez já contou isso para alguém?”
Neguei novamente.
“E... tem certeza?” Agora confirmei. “Mesmo?”
“Sim.”
“E acha que nós aguentamos?” O loiro voltou.
“Eu aguentei uma vez... e mais outras milhares de vezes, durante
todos esses meses.” Respirei fundo, fixando meus olhos no canto da
mesa, no centro da sala. “Talvez eu não aguente contar.”
“Tudo bem. Pode contar.” Acenei de novo que sim com a cabeça,
pegando o copo de água na mesa e tomando um gole. Continuava fitando
o canto da mesa, indo para o pé, o tapete, e subindo ao mesmo ponto.
Os gritos desesperados retornaram aos meus ouvidos, junto de risadas
diabólicas, demoníacas. Abaixei a cabeça e tapei as orelhas com
minhas mãos, ficando como que extasiado, revivendo a cena deplorável
em segundos.
“Não, não, não, não... NÃO!” Comecei murmurando e terminei
em um grito, ainda sem me mexer, só tremendo.
“Tom!” Georg segurou meu braço. “Tom, respira.”
Tentei me concentrar. Puxei o ar pelo nariz, soltei pela boca, sem
calma.
“Isso. Bebe um pouco de água.” Abaixei as mãos e segurei o
copo que ele me entregava, ainda bem trêmulo.
“Valeu.” Me agarrei ao objeto de vidro com demasiada força,
achando até que fosse quebrar. “Vou começar.”
“Devagar.” Me lembrou Gustav. Afirmei, indo para a lembrança de
onde tudo começou.
“Eu estava em casa, esperando ele ligar, para poder ir buscá-lo.
Eram quase duas da manhã quando meu celular tocou, e a voz dele veio
cheia de medo. Poderia ser brincadeira dele, sempre foi bom em
fingir... e pelo telefone não dava para saber. Desci para pegar o
carro e ir ao endereço que ele me passou. Disse que estaria
esperando por mim lá.
“Quando cheguei, não tinha nenhum sinal dele. Onde poderia estar,
uma hora dessas, num lugar como esse? Milhares de coisas me vieram em
mente, e de todas elas, só a pior, pior ainda do que eu tinha
imaginado, aconteceu.”
Dois pares de olhos arregalados me fitaram.
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