segunda-feira

Capítulo 2

     “Então, quando eu tinha sete anos, eu acho... É, sete anos. Quando eu tinha sete anos, eu tive um cachorro chamado Reggie. Ele era legal, simpático. Ele me trazia presentes o tempo inteiro. Sabe que presentes eram?”

     Tom rangia os dentes, empurrando o esfregão devagar pelos corredores à medida que Bill seguia-o.

     “O que?” Disse finalmente.

     “Cobras. Ele me trazia cobras e eu odeio cobras.”

     “Cobras são legais.” Disse Tom.

     Bill riu, seu rosto animou-se. “Às vezes ele me trazia camundongos... mas na maioria das vezes eram cobras. Certa vez uma delas ainda estava viva e me picou na perna. Ainda tenho a cicatriz.”

     Tom concordou com a cabeça, virando em um canto na esperança que Bill não o seguisse.

     Mas certamente não dava para acreditar nisso.

     “Você já teve cachorros?” Perguntou, ninando a boneca delicadamente.

     “Você está perguntando a mim?” O garoto de boné deu uma olhada rápida para Bill.

     “Quem mais seria?” Bill deu um olhar sem expressão à Tom.

     “Ah claro, eu tive cachorros. Um. Ele morreu... ele gostava de perseguir carros.” Disse Tom.

     “Ah, não. Que merda.” Murmurou o moreno. “Eu odeio cachorro pequeno.”

     “Cachorro pequeno?”

     “Aqueles coisinhas miúdas que parecem mais o esfregão que você lava o chão. Oh- hey, espera aí.” Bill parou de ninar a boneca e levou-a a orelha. Sua expressão mudou de divertida para preocupada. “Ah não. Joey está tão preocupada hoje.”

     Tom franziu a testa. “Quem?”

     “Joey,” Disse novamente. “Meu bebê...”

     “O nome dela não era Gabi?”

     “Não, não, não! É Joey, J-Joey. O n-nome dela é J-Joey.” Disse Bill, seus olhos tornaram-se vagos.

     Tom olhou ao redor. Algumas pessoas estavam por perto, mas nenhuma prestava atenção e Bill estava dando nos nervos.

     “Estou certo que ele ficará bem.” Tentou falar.

     “Joey é uma garota.”

     “Ela ficará bem.”

     Bill sorriu debilmente. “É tão difícil tomar conta dele.”

     “Aham.” Tom acelerou o passo, empurrando o esfregão pelo corredor mais rápido. Bill parecia ficar para trás, seus passos se tornaram mais lentos.

     “Tom, eu acho que ele está doente.” Disse em voz baixa.

     Tom suspirou e parou de repente. “Bem, talvez você devesse chamar Kaaren.”

     “N-não,” Respondeu firmemente. “Eu... eu devo ser o único a tomar conta dela.”

     “Ok, talvez eu te deixe agora para fazer isso.” Disse rapidamente.

     “Saia daqui,” Bill disse, seus olhos de repente se tornaram agressivos. “Deixe-nos a sós!”

     “Tudo bem.” Irritou-se, desaparecendo num canto e suspirando outra vez. Ele vinha suspirando muito ultimamente, especialmente no trabalho. Deu uma olhada rápida no seu relógio e viu que era hora de descer para a lavanderia. Limpar o chão da lavanderia tinha sido adicionado a sua lista de responsabilidades e por mais que isso fosse um trabalho terrível, ele ficava agradecido por ficar longe do quinto andar.

     Especialmente desde que Bill aparecia do nada quando ele menos esperava.

     Tom fez da escadaria seu caminho. Ele não poderia se dar o trabalho com o elevador, isso o estressava e as escadas estavam longe de lá, de qualquer forma. Ele meteu as mãos nos bolsos, tendo certeza que os cigarros estavam lá. Eles estavam. Suspirou em alívio e pôde até mesmo sentir o gosto do fumo.

     Georg estava sentando em uma das lavadoras quando ele chegou lá, Tom sorriu, estendendo a mão pra algum tipo de cumprimento informal.

     “Hey,” Disse Georg, os olhos brilhando.

     “Ah Jesus,” Disse Tom, balançando a cabeça. “Você fede.”

     “Fedo bem.” Georg desceu da máquina e limpou a frente de seu jeans, o cheiro de maconha exalando de suas roupas. “Eu estava voltando pro trabalho.”

     “É, eu também.”

     “Eu ainda tenho alguns minutos, então,” Disse Georg. “O que está acontecendo?”

     “Estou pagando todos os meus pecados aqui.” Disse honestamente.

     “Qual é, o quinto andar nem é tão ruim assim.” Respondeu o outro.

     “Não, exceto por aquele louco que fala com bonecas que insiste em me seguir pra todo lado!”

     “Aah, é só o Bill.”

     Tom franziu as sobrancelhas. “Conhece ele?”

     “Ele é legal. Eu o acho engraçado.”

     “Engraçado?” Franziu ainda mais a testa. “Se fode.”

     “Ele é sua sombra agora.” Georg riu. “Diga a ele que mandei ‘oi’.”

     “Primeiro pensei que ele era uma garota.” Tom disse, enrugando o nariz. “Às vezes ainda acho que ele é.”

     Georg deu uma gargalhada. “Hey, tenho de voltar ao trabalho. Divirta-se com Bill e independentemente do que você fizer, seja legal com o bebê dele.”

     “Argh.”

     Tom pegou a última peça de roupa na secadora e afundou a cara na pilha de tecido quente. Se ele ficasse assim tempo suficiente passaria mal e isso seria uma boa desculpa pra ter tempo livre no outro dia.

     Ele gemeu e retirou a cabeça de lá, respirando ar puro. Ele nem mesmo queria mais fumar. Imaginou que seria melhor voltar ao trabalho; talvez eles o liberassem para ir para casa mais cedo, se ele achasse uma carona, claro.

     O caminho para cima não foi tão agradável, não com alguns quilos pesando em seus ombros. Ansiou por um cigarro assim que passou pela porta de segurança do quinto andar. Ele deveria ter fumado quando teve a chance.

     Após dar o cesto para as enfermeiras, Tom voltou para seu esfregão e seu balde. Ele estava prestes a virar a última esquina para chegar onde ele os tinha deixado quando ouviu quando um barulho vindo de dentro de um dos quartos.

     Normalmente ele não olharia o quarto dos residentes. Ele sabia que não era da sua conta, e também, isto fazia com que ele se sentisse incrivelmente constrangido. Contudo, às vezes ele passava a vista, e dessa vez, arrependeu-se.

     Viu Bill sentado de pernas cruzadas numa cama estreita, encolhido. Seus ombros tremiam, ele chorava e agarrava-se com força à boneca.

     Tom suspirou, parando do lado de fora da porta. Ele não sabia o que fazer. Espiou os corredores e não viu ninguém por perto. Depois seus olhos focaram-se de volta em Bill e ele sentiu algo por ele. Sentiu-se mal; Bill estava triste e sozinho, parecia que não estavam nem aí se ele estava pra baixo naquele lugar.

     Contra todo seu bom senso ele entrou no quarto, mãos escondidas nos bolsos. Ao passo que se aproximava do garoto moreno ele sentia-se mais e mais constrangido.

     Os únicos sons no quarto eram as lamúrias de Bill e o tic-tac do relógio.

     “Hey,” Tom disse baixinho. “Você está bem?”

     Bill não reagiu; apenas continuou chorando e se encolhendo cada vez mais, seu cabelo entornando toda sua face e a da boneca.

     “Bill?”

     Bill balançou a cabeça uma vez, um movimento rápido, e Tom franziu a testa.

     “Quer que eu chame alguém?”

     Balançou a cabeça mais uma vez.

     “Okay, posso fazer alguma coisa por você?” foi tudo que Tom disse.

     “Talvez um pouco... talvez um pouco de água,” Respondeu baixinho. “Joey não consegue b-beber num copo, aliás. F-falta a mamadeira.”

     “Oh,” Tom disse vagamente. “Então você quer um copo d’água?”

     “Não estou com sede.”

     “Err...” Tom recuou. “Eu vou chamar, hm, Kaaren.”

     “Não!” Bill fitou-o severamente. Toda sua maquiagem pelas bochechas, borrada e escorrendo. Tom olhou para longe instantaneamente. “Não se a-atreva.”

     “Ok, eu não vou.” Falou juntando as mãos, recuando ainda mais. “Então... hm... Joey quer água?”

     “É. Mas como eu disse... n-não há mamadeira... nunca há m-mamadeira. Bebês deveriam mamar nas mamadeiras. Ninguém sabe de nada p-por aqui!” Bill disse de forma agressiva.

     Tom concordou com a cabeça, devagar. “Como Joey costuma mamar?”

     “Em uma mamadeira... mas não sei onde está.”

     “Oh.” Os olhos do de dreads inspecionaram o chão e bem debaixo da cama estava uma velha e suja mamadeira de brinquedo. “Você olhou em todos os lugares?”

     “Em todos todos todos os malditos lugares” Sussurrou, tapando as orelhas da boneca ao dizer a palavra malditos. “Ela está com tanta sede.”

     “Não se preocupe,” Tom se viu dizendo isto de repente, e pior, ele se viu caminhando para junto de Bill. “Eu acho que sei onde está.”

     “Sério?” Encarou-o com seus olhos castanhos arregalados. “Sério? Como?”

     Ele agachou-se e pegou a mamadeira, mostrando para Bill. “Essa serve?”

     Os olhos do moreno quase saltaram. “Hey! Esta é... É sim. Jo-Joey pode mamar agora, que bom.” Ele estendeu as mãos e tomou a mamadeira de Tom, agarrando seus pulsos por alguns instantes.

     Tom apavorou-se e andou alguns passos para trás. “Hm.”

     “Obrigado,” Bill sussurrou. Deixou a atenção voltar para a boneca. “Pare de chorar, ok? Para com isso, cale-se, eu achei alguma coisa para você tomar.”

     Tom assistiu enquanto Bill acariciava o cabelo falso da boneca cuidadosamente. A mamadeira de plástico descansava na cama perto dele, quase esquecida.

     “Quando você alimenta um bebê você tem de ter cuidado para não deixar que eles comam rápido demais,” Bill murmurava. “E sempre teste na sua pele antes. No braço, por exemplo. Se tiver muito quente, pode ser que... pode ser que seja r-ruim.”

     “Oh.”

     Bill o encarou, sorrindo radiante novamente. “Você está lavando o chão?”

     “Não agora. Quer dizer, é... eu vou.” Ele tinha ajudado Bill, acalmando-o um pouco – por que diabos ele estava ali conversando? “Eu tenho de lavar quase tudo ainda.”

     “Por quê?”

     “Por que... eu tenho.” Respondeu. “Quer limpá-los?” Ele encolheu-se.

     Bill teve uma crise de risos, caindo para trás. “O caralho que eu quero limpar aquilo.”

     Tom fitou-o desconfortavelmente, sem saber como ir embora. Ele estava com medo de que Bill tivesse mais uma crise se ele fosse embora. “Bem, alguém tem de fazer aquilo.”

     “Antes você que eu,” Bill provocou.

     “Oh... yeah,” Tom respondeu. Ele tinha sido pego desprevenido. Alguns minutos antes Bill era um caso descontrolado e agora ele aprecia completamente normal. “Bem, eu acho que... te vejo mais tarde?”

     Encolheu-se de novo.

     “Claro!” Bill respondeu sorrindo. “E da próxima vez não venha fedendo a maconha. É nojento.”

     Tom enrugou o nariz. “Tanto faz.”

     “Eu voooou contaaaar para Kaaaaareeeen” Disse Bill, ameaçando Tom, que sabia que não era verdade.

     Ele deu um sorriso largo. “Eu não vou permitir.”

     “Eu entreguei Georg uma vez.”

     “Sério?” Tom perguntou interessado. “Por quê? Você é do tipo que gosta de dedurar as pessoas?”

     “Não, Georg era um filho da puta comigo,” o moreno suspirou. “Era terrível e Kaaren não acreditava em mim. Ninguém nunca acredita.”

     Alguma coisa nessa afirmação fez com que Tom se sentisse triste; era tristonho e ele tinha certeza que Bill estava saindo de seu estado ‘normal’ novamente.

     “Ok, bem... tchau.” Disse rapidamente.

     “Eu não vou contar,” Bill murmurou. “Se é por isso que você está com raiva.”

     “Eu não estou, eu só tenho um monte de coisas pra fazer.” Sentiu-se tenso, começou a ranger os dentes. “Ok?”

     “Ok, tchau.”

     Quando Tom deixou o quarto Bill estava encolhido novamente. Segurava a boneca firmemente e sua mão estava agarrada a mamadeira.


     “Me conta alguma coisa. Qualquer coisa estúpida,” Brigitte insistia. Ela colocou sua mão sobre a do namorado e acariciou sorrindo. “Você desaparece naquele lugar quase todo dia e nunca diz nada.”

     “Porque não tem nada pra dizer.” Disse Tom. “É tão entediante, Brige.”

     “Ah qual é!”

     “Sério. É terrível,” Tom sorriu aproximando-se dela, descendo uma mão para sua coxa. “Mas é meu dia de folga, não vamos falar sobre aquele lugar.”

     “Eu quero saber,” Insistiu, sorrindo de volta. “Eu trabalho o dia todo no banco. Nada acontece por lá, mas mesmo assim eu sempre te conto alguma coisa.”

     “Talvez você não devesse.” Tom disse para provocar, beliscando seu ombro.

     Brigitte mostrou a língua para ele e Tom não perdeu tempo, capturando-a entre os lábios e beijando-a intensamente. Ela gemeu baixo e deixou seu dedos correrem entre os dreads do namorado.

     “Mmm” Tom murmurou. “Senti saudades, Brige.”

     “Também sinto sua falta.” Respondeu, sorrindo um pouco. “Estou quase enlouquecendo desde que a escola acabou.”

     “No bom sentido.” Disse Tom.

     “Talvez.” Afastou-se e suspirou. “Eu vou embora em pouco tempo para a universidade, te contei? Eu decidi ir.”

     “Oh,” Murmurou. Sentiu a face corar um pouco e olhou encarou o chão. “Então você vai embora?”

     “Sim, mas nós ficaremos bem” Brigitte disse, dando a Tom um murro de leve no ombro. “E eu ainda tenho quase dois meses.”

     “Eu nunca vou embora.” Disse monótono.

     “Você poderia, se quisesse” Brige disse. “Você nem mesmo se candidatou a alguma faculdade.”

     “É, veja só como estou” Tom disse. “Preso na primeira semana fora da escola.”

     “Eles te deixaram porque você é um garoto bom.”

     “É, isso é tudo que eu posso me apegar, eu suponho... Até mesmo Andreas vai embora pra... sei lá, Londres ou algum outro lugar.” Disse Tom.

     Brigitte forçou Tom em um abraço e apertou-o, acariciando suas costas e beijando seu pescoço. “Cala a boca,” ela disse. “Você é maravilhoso.”

     “Maravilhosamente estúpido.”

     Ela bateu em seu ombro. “Sério, para com isso.”

     “Você está com fome?” Tom perguntou; “Eu vou comprar algo pra jantar.”

     “Você não pode dirigir.” Respondeu, mordendo o lábio assim que disse isso.

     Tom fechou os olhos por alguns instantes. “É, eu sei. Obrigado por me lembrar disso.”

     “Eu vou comprar o jantar,” Ela disse pegando a mão dele. “Quero tomar conta de você enquanto eu ainda posso.”

     “Se ferrar, Brige,” Tom murmurou, finalmente sorrindo para ela. “Você é boa demais pra mim.”

     “Eu sei,” ela disse, os olhos faiscando. “Nós ficaremos bem, certo?”

     “Sim, nós estamos bem.” Tom beijou-a novamente e suspirou enquanto ela pegava o celular e pedia pizza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário