terça-feira

Capítulo 1

     Os longos corredores eram de um branco opaco. Essa foi a primeira coisa que Tom notou naquela instituição. Paredes brancas, opacas. Nem mesmo de um branco brilhante, mas daquele tipo que parecia estar ali há tanto tempo com tão pouca luz do sol.

     Ele seguia a mulher pelos corredores, mãos nos bolsos, ombros caídos. Ele não queria estar ali; tentou evitar estar ali por pelo menos uma semana, mas era de longe melhor do que ir preso.

     “Todos esses pisos serão lavados diariamente,” a mulher disse sem virar, ainda andando. “Todos eles... e encerados uma vez por semana.”

     Tom concordou, tentando não notar o quão longos e largos eram os corredores, e quantos ladrilhos e azulejos precisariam ser esfregados.

     “Essa será sua maior responsabilidade. Suas outras incluirão varrer o lixo, colocar em sacolas e limpar após os residentes terminarem suas refeições, e ocasionalmente lavar algumas janelas. Às vezes eu precisarei de você lá embaixo, na lavanderia, para pegar as roupas limpas, mas isso será raro. Nós temos uma pessoa na lavanderia.” A mulher parou de andar e finalmente se virou. “Uma coisa importante”

     “Si-sim?” Tom parou de caminhar, deixando uma pequena distância entre eles.

     “Durante seu serviço comunitário, este é o único andar que você estará. Os residentes deste andar são... Eles precisam de cuidados especiais. Eles não são perigosos, mas eu preciso te pedir para não interagir com nenhum deles”

     A mulher molhou os lábios. “A sua sentença é de doze semanas?”

     “Sim, senhora.”

     Ela concordou. “Meu nome é Kaaren, e você é...?” ela perguntou estendendo a mão.

     “Tom Trümper” Tom murmurou. Gentilmente apertou a mão dela, ainda olhando para o chão. “Eu começo amanhã?”

     “Sim.” Kaaren consultou a prancheta que ela carregava e fez algumas anotações. “Tudo certo. Você tem mais alguma pergunta?”

     Tom balançou a cabeça. Ele só queria sair dali, rápido.

     “Hmm” Kaaren sorriu. “Não se preocupe, vai acabar antes mesmo de você notar. Tente aprender algo com isso... mesmo que seja só como lavar o chão.”

     “Okay” Tom disse silenciosamente.

     “Foi só uma piada, relaxa” Kaaren disse, tocando os ombros de Tom.

     “Eu estou bem desconfortável com essa situação” Tom admitiu.

     “Eu sei. Mas você vai se acostumar. E como eu disse: você está avisado sobre não falar ou interagir com os residentes. É só trazer seus fones, escute música enquanto limpa o chão” Kaaren disse. “Os turnos acabarão logo.”

     Tom franziu as sobrancelhas. “Minha carona me espera.”

     “Tudo bem. Tenha uma boa noite, vejo você amanhã de manhã.” Kaaren falou.

     “Certo então, tchau” Tom acenou e caminhou para longe, tentando lembrar como sair. Passou por muitas portas fechadas e algumas abertas, também. Ele pode ver alguns residentes fitando televisões ou a paisagem pelas janelas.

     Não pôde olhar realmente para eles; pareciam paranóicos, loucos, psicóticos. Alguns dos residentes eram bem velhos e alguns não pareciam mais velhos que ele.

     Isso o fez sentir-se incrivelmente desconfortável e ele se perguntou se seria forte o suficiente para fazer o serviço comunitário. Doze semanas era muito tempo para ele, quase uma vida. Ele estava agradecido por não ter de falar com nenhum deles. Tom lembrou-se de quando seu próprio avô começou a perder sua sanidade, e foi terrível. Ele não pôde visitá-lo por algum tempo. Seu coração doía cada vez que ele via seu avô, cada vez mais deteriorado.

     Ele pôde sentir seu coração apertando de novo, vendo aquelas pessoas. Isso o tocava de alguma forma que ele não podia ignorar.


     Tom passou através de uma sala onde dez ou mais residentes estavam sentados, dormindo, assistindo TV ou lendo. Eles pareciam suficientemente normais; alguns conversavam entre si, e o cumprimentaram quando ele apareceu. Tom respondeu com um aceno leve com a cabeça, tentando não olhar nos olhos deles, mas também tentando não parecer cruel.

     Ele estava quase saindo quando viu uma garota de cabelos pretos, sentada em estilo indiano num canto da sala, curvando-se sobre seu colo. O cabelo dela caia pelo rosto. Ela estava segurando algo nos braços, segurava com força e ninava, balançando a cabeça e curvando-se para baixo quase o tempo todo. Ela era bem magra, sua pele era pálida, e seus pés estavam descalços.

     Uma enfermeira andou até ela, tocou gentilmente seus ombros e ela a fitou, Tom viu que ela tinha uma cicatriz escura na sua bochecha. Em seus braços estava uma boneca, uma antiquada boneca bebê, e ela a segurava como se sua vida dependesse disso. A enfermeira gentilmente a tirou de seus braços, dizendo alguma coisa, e a menina pegou-a de volta, curvando-se e se escondendo por detrás de seu cabelo novamente. A enfermeira apenas suspirou, e deixando um par de chinelos no chão perto dela. Foi embora.

     Tom a assistiu por mais alguns momentos e lembrou-se que sua carona o esperava. Ele deixou rapidamente o lugar e procurou pelo carro de sua namorada. Ela estacionou no meio fio e Tom sorriu, entrando no carro.

     “Hey” Ele disse, curvando-se e beijando-a.

     “Como foi?” Brigitte perguntou.

     “Vai ser uma merda.” Tom riu e sentou-se, colocando o cinto de segurança, mas sem apertar bem. “Doze malditas semanas de merda.”

     Brigitte olhou para ele de modo simpático. “Sinto muito”.

     “Nah” Tom pegou em sua mão, e ligou o rádio, fechando os olhos. “Eu vou ter de estar aqui às... droga... sete da manhã.”

     “Eu vou te trazer” Brigitte disse. “Mas não posso fazer isso todo dia.”

     “Eu sei” Tom respondeu, sentindo seu rosto corar. “Eu poderia fazer isso, se eu pudesse.”

     “Eu sei, não vamos falar sobre isso de novo.” Brigitte disse rapidamente. Ela sorriu para Tom, e ele soltou um grunhido. “Ah, vamos. Vai ser melhor assim.”

     “Eu cometi um erro.” Tom disse, rangendo os dentes.

     “Eu não acho que sim”

     Brigitte saiu do estacionamento da instituição e durante todo o caminho de volta para a casa de Tom, eles ficaram quietos.

**

     Tom deslizava o esfregão vagarosamente pelo chão, movendo sua cabeça de acordo com o ritmo da música em seus ouvidos. Estava limpando o chão há quase duas horas e não era nem meio-dia. Seu estômago roncava e ele estava cansado. Não tinha dormido muito bem a noite passada porque estava ansioso pela manhã.

     Durante toda a noite ele acordava em pânico, com medo de ter dormido demais, mas cada vez que ele olhava para o relógio era apenas quinze minutos mais tarde que a última vez que tinha olhado.

     Os corredores pareciam continuar para sempre e desde que Tom estava tentando dar seu melhor, na esperança de que eles diminuíssem suas semanas de serviço, ele estava sendo extremamente meticuloso com a limpeza. Cada vez que alguém passava, ele logo ia limpar, ele ia de novo e de novo, duas vezes mais até que o chão brilhasse.

     Com toda certeza nada brilhava naquele lugar. Tudo era de segunda mão, opaco e sem graça.

     Finalmente terminou de limpar o fim do corredor e tirou seus fones, olhando para o chão com um sorriso satisfeito. Ele estava realmente orgulhoso. O trabalho era monótono, mas pelo menos ele conseguia fazer bem. Estava tudo sob controle.

     “Quando você limpa o chão, até parece que eles são espelhos.”

     Tom levantou os olhos. Na sua frente estava a garota que ele tinha visto no dia anterior, mas não era completamente uma garota. Era um alto, magrelo e desengonçado garoto; com um cabelo escuro e longo e um rosto muito pálido. Ele vestia uma calça preta de moletom e uma camiseta desbotada. Ele era alto, tão alto quanto Tom, e parecia ter a mesma idade. Seus olhos eram de um castanho profundo. Tinha maquiagem preta borrada em seus olhos.

     “Desculpa?” Tom disse, desviando o olhar imediatamente.

     “Eu posso ver meus pés neles”. O garoto arrastou os pés, ainda descalços, e deu uma olhada rápida. “Os outros caras da limpeza não o fazem brilhar, eu não acho que isto... Eu não acho que o chão possa brilhar”.

     “Talvez ele possa.” Tom encolheu os ombros e começou a se afastar, mas o garoto o seguiu.

     “Eles me fazem usar sapatos.” Ele disse. “Sandálias, na verdade. Eu odeio sandálias. E sapatos. Meias são o pior.”

     “O quê?” Tom prendeu a atenção em seu esfregão e olhou para além do corredor. Ele pôde ver Kaaren e estava com medo de ficar enrascado. Tanto por não estar trabalhando quanto por ‘interagir com um residente’.

     “Você gosta de meias?” O garoto sorriu largamente. “Espere aí, você gosta. Você está usando sapatos e tudo mais.”

     “Não quer dizer que eu goste de usá-las.” Tom disse defensivamente.

     “Mas você está usando-as!”

     “O chão está sujo.”

     “Não está mais. Agora eu posso até...” O garoto esfregou o dedão em um azulejo. “Ah merda, eu estou com tanta fome, você está?”

     “Um pouco-“ Tom começou a responder.

     “Não, não você” o garoto interrompeu. Foi aí que Tom notou que o garoto ainda estava apertando a boneca contra o peito, da mesma forma que fazia no dia anterior. Ele a balançou um pouco em seus braços e depois sorriu. “Você está?”

     Tom fitou desconfortavelmente seus pés. “A gente se vê.”

     “Nós vamos comer alguma coisa, hmm” o garoto dizia enquanto Tom se distanciava para outro corredor.

     Tom balançou a cabeça, massageando sua nuca, e colocou novamente os fones. Ele estava incomodado; o garoto de cabelos pretos parecia tão normal, mas...

     Mas depois ele começou a conversar com uma boneca e isso fez com que Tom lembrasse que ele estava limpando o chão de um hospício.

     Tom tinha de lembrar-se de ignorar as coisas. Ele estava ali pelo serviço comunitário e era só isso.


     Brigitte esperava na cozinha, assistindo-o guardar comida em sua mochila para consumir durante o dia. “Um monte de porcarias” ela disse sem rodeios.

     Tom contemplou a mochila; estava cheia com muitos biscoitos, donuts e três refrigerantes. “É?”

     “Gostaria de ter seu metabolismo” Ela comentou.

     Tom apenas deu de ombros e fechou a mochila.

     “Deveríamos ir, estamos atrasados” Ela disse, gesticulando para a porta com suas chaves.

     “Então chegarei atrasado,” Disse Tom. “Não é grande coisa.”

     Brigitte franziu o cenho. “Essa é uma atitude muito idiota.”

     “Não estou com humor pra isso,” Tom retrucou.

     “Para o quê? Você acha que eles diminuirão sua sentença se você aparecer por lá uma hora mais tarde toda manhã?”

     “Só forem algumas vezes, sim” Tom respondeu irritadiço. “Eles gostam de mim lá.”

     “Você disse que nem mesmo sabem quem você é” Disse ela.

     “Tanto faz. Eu disse que tudo ficará bem” Ele disse, revirando os olhos e dirigindo-se à porta. “Olha só. Eu estou pronto. Agora você que está atrasada.”

     Brigitte levantou-se relutante. “Certo, certo.”

     Tom abriu a porta para ela, que agradeceu ao passar. “Hey,” disse ele, correndo atrás dela logo que trancou a porta. “Hey, Brige.”

     “Que é?” Virou-se, franzindo a testa.

     “Me desculpa,” Ele disse em voz baixa. “Sério. Eu só estou irritado.”

     “E é só a sua primeira semana,” Brigitte respondeu. “Isso vai ficar pior?”

     “E se ficar?” Tom suspirou. “Você poderia... continuar ao meu lado? Eu estou estranho, isso tudo é uma merda, eu estou com raiva. Só me deixa ficar com raiva de mim mesmo.”

     Brigitte estudou-o por alguns instantes, logo depois suavizou sua expressão. “Tudo bem, eu estou aqui.”

     Tom beijou-a e entrou no carro. Ele procurou as mãos dela por debaixo do painel, seus dedos estavam tensos, ele acariciou-os. Recostou-se em seu assento e observava tudo pela janela enquanto se dirigiam à instituição. Ele estava apavorado com mais aquele dia, claro. Os turnos pareciam nunca terminar e ele estava cansado de todas as músicas do seu iPod.

     E a pior parte era que ele não podia parar. Ele não podia dormir enquanto isso, ele não podia faltar nenhum desses dias revoltantes.

     Quando eles chegaram, Brigitte beijou-o e ele sorriu largamente; sua respiração tinha cheiro e gosto de café, isso fez com que Tom sentisse náuseas. Ele acenou e saiu do carro, logo abrindo sua mochila e pegando um dos refrigerantes.

     “Foda.” Ele murmurou, contemplando a antiga instituição. Era um lugar bonito. Um pouco sem graça, um pouco sombrio, mas a construção era clássica e resistente. E velha. Seus dedos inspecionaram seus bolsos. Ele ansiava por um cigarro, apenas uma tragada, mas era determinantemente proibido fumar ali, teria de abandonar seu vício por um tempo para evitar problemas no trabalho.

     Kaaren estava na mesa de recepção do andar que Tom trabalhava. Ela sorriu assim que ele entrou pela porta, rindo enquanto ele amaldiçoava o número da tranca de segurança.

     “Você vai se acostumar, prometo.” Ela disse, vindo para frente da mesa. Não era velha, mas não era nova também. Tinha um rosto delicado, educado. Lembrava-o sua mãe. “E aí?”

     Tom franziu a testa; ela definitivamente lembrava-o sua mãe. “Yeah, bem.” Ele disse. “Onde está meu esfregão e meu balde?”

      “Nós temos algo novo para você hoje, e depois você pode ter seu esfregão e balde.” Kaaren disse, rindo novamente. “Desde que você seja carinhoso com ele.”

     Tom deu de ombros. “Que coisa nova?” A idéia de algo diferente realmente intrigou-o.

     “Você sabe como recolher as roupas limpas?”

**

     Tom queixou-se, fechando a porta da secadora e jogando o cesto de roupas do chão. Pensou que isso não podia ser pior que lavar e esfregar o chão. Procurou pela mochila novamente e pegou seu segundo refrigerante, abrindo com o dedão.

     “Não deixe que te peguem bebendo isso aqui.”

     Tom congelou. Ele parou a lata nos lábios e viu um jovem fitando-o.

     “O que?” ele perguntou bobamente.

     “Não é permitido,” o outro rapaz disse, revirando os olhos e passando os dedos por seu longo cabelo castanho. Ao fim do gesto estendeu o braço para Tom. “Sou Georg.”

     “Tom.” Murmurou, deixando de lado o refrigerante e apertando a mão de Georg. “Hm. Então, o que?”

     Georg riu. “Uma vez fui pego por almoçar aqui.”

     Tom encolheu-se. “Ruim?”

     “Péssimo. Não, realmente” Georg disse, sorrindo com satisfação. “Eles só reclamaram. Foi mais embaraçoso que qualquer outra coisa. Só estou te dando um toque.”

     “Obrigado,” Respondeu, aliviado. “Foda, não consigo fazer nada certo.”

     “Nada?”

     Tom balançou negativamente a cabeça. “Ahn... uh. Você não... trabalha aqui, trabalha?”

     “Yeah, eu trabalho na cozinha,” respondeu Georg. “Eu venho aqui em baixo pra fumar.”

     “Sério?” Levantou uma das sobrancelhas, fazendo uma nota mental.

     “É, e você?”

     “Eu trabalho... no quinto andar.” Disse, coçando a nuca. “Lavo o chão.”

     “Ah merda. O quinto?” Georg fez careta. “Como é?”

     Tom deu de ombros. “Tedioso.”

     “Sério?” Disse tragando lentamente. “Eu levo o almoço pra lá nos fins de semana. Odeio.”

     “Por quê?”

     “Por que... você sabe. As pessoas não estão mesmo... .”

     Tom desviou o olhar. “Eu nem noto.”

     “Tem uns de verdade lá, apesar de tudo.” disse Georg. “Eu conheço alguns. Os únicos que realmente podem notar o que acontece, aliás.”

     “É...” Disse Tom, desconfortavelmente. “Ei, melhor eu ir.”

     “Eu também.” Pausou o outro. “Você virá aqui embaixo de novo?”

     “Provavelmente.”

     “Legal, vamos fumar da próxima vez.” Disse sorrindo. Ele tirou uma pequena embalagem do bolso da calça, os olhos de Tom se arregalaram. “É, é da boa. Vai te deixar melhor e doidão. O quinto andar não vai parecer tão ruim depois disso.”

     “Você fuma maconha aqui embaixo?”

     “Com certeza, por que não? Eu estou sempre drogado.”

     “A gente se vê.” Foi tudo que Tom disse enquanto saía atordoado. Ele fumava frequentemente com seu melhor amigo, Andreas, mas ele estava com medo só de beber refrigerante na lavanderia. Não conseguia se imaginar drogado no trabalho.

     Ou talvez ele pudesse.

     Suspirou ao apertar o botão do quinto andar. Já se sentia no paraíso só por inalar aquilo que pairava na lavanderia, poderia até matar por um pouco da droga do outro agora. Quando o elevador chegou ao quinto, o teclado numérico pedia o código de segurança.

     “um-cinco-sete-cinco” Murmurou, confirmando. A luz vermelha piscou a sua frente. “Merda. Tudo bem. Um-cinco-sete-um.” Vermelho. “Se fode. Cinco- sete-um...”

     A luz continuava a piscar vermelha e ele se rendeu, chutando o chão. Nesse momento a porta se abriu e Kaaren estava lá, cruzando os braços.

     “Tenho um trabalho pra você,” disse saudando-o.

     Tom só murmurou em desaprovação.

     “Ah, pare com isso. Você nem mesmo sabe o que é ainda.” Revirou os olhos. “Quer lavar algumas janelas?”

     “Amaria fazer isso.”

     “Bem, então se encaixa maravilhosamente na tarefa.” Kaaren respondeu ignorando a atitude do de dreads. “Venha, darei o que você precisa.”

     Tom seguiu-a para uma sala com grandes janelas. Encolheu-se, estas tinham mais de dez pés de altura.

     “Estas são suas,” Disse apressadamente, apontando para as janelas. “Há um balde e flanelas ali. Não se machuque.”

     Tom concordou. “Obrigado”

     “Claro.”

     Assistiu-a sair e gemeu desanimadamente. Seu estômago roncava muito alto, mas ele sabia que não podia almoçar até que terminasse com aquelas janelas. Balançou a cabeça, abaixando-se para pegar o balde e encarou o conjunto massivo de vidro.

     Só quando ia começar, notou alguém refletido nas janelas vindo por trás dele.

     Olhou por sobre o ombro. Era o mesmo garoto do outro dia, o garoto moreno que falava com bonecas. Tom suspirou baixinho e voltou para as janelas.

     “Aaaalôôô...”

     Tom concentrou-se nas janelas e passava o pano molhado sobre o vidro, trincando os dentes. Sentiu a presença do rapaz atrás de si e questionava-se se ele era louco suficiente pra notar se estava sendo ignorado ou não.

     “O chão está sujo de novo,” o garoto começou. “Sujo, sujo, sujo. Oh, aquele outro cara ia limpá-lo, mas eu gosto quando você limpa porque eu não acho que ele realmente se importa em limpar o chão. Eu tive que usar sapatos.”

     A água ensaboada descia pelo vidro e Tom a secava com o pano, impedindo que as gotas caíssem no chão.

     “E sapatos são... Bem, eles não são tão ruins” O garoto cantarolou um pouco, algum som quase reconhecível para Tom. Depois de alguns minutos disso, ele parou e ficou quieto por muito tempo.

     Tom continuou lavando as janelas, sem coragem de se virar. Ele não desistiria, mas não parecia que o outro ia desistir também.

     Ele começou a cantarolar novamente, mais alto desta vez. “Ah sim, Eu sei que seu nome é Tom. Eu escutei Kaaren falando sobre você.”

     Os ombros do outro tencionaram.

     “Você vem aqui todo dia? Porque eu não te vejo. Eu vejo o outro cara, ele parece ter sua idade. Gustav, acho que é esse o nome dele. Ele não é legal. Não tanto quanto você.”

     “Você me acha legal?” Tom finalmente parou e virou-se. O garoto de cabelo escuro estava segurando a boneca firmemente e sua maquiagem estava muito borrada em seus olhos. Ele usava uma camiseta justa, uma parte de sua barriga ficava exposta e Tom viu uma estrela tatuada parcialmente escondida sob as calças do pijama.

     O garoto sorriu. “Eu não sei.”

     “Merda.” Tom virou-se, fingindo que ele não tinha falado, voltou a limpar as janelas.

     “Merda,” repetiu o outro. “Arrisco dizer que você é forçado a estar aqui, certo? O que você fez?”

     “Nada,” Tom murmurou.

     “Aquele Gustav disse isso também, mas eu descobri que ele se ferrou por que... hm... pichou alguma coisa num muro. Eu não sei, eu acho que dizia foda-se ou merda ou boceta ou caralho ou algo tão feio quanto isso...”

     “Bill! Aí está você!” Tom olhou por cima do ombro e viu Kaaren andando rápido ao encontro dos dois.

     “Hey, Kaaren,” o garoto moreno, Bill, respondeu. “Como você está?”

     “Bill, você deixou todo seu almoço. Eu estava preocupada, e você deixou seus sapatos também.” Kaaren disse franzindo o cenho. “Você tem de me avisar quando sair.”

     “Eu só estava conversando com o Tom.” Bill disse inocentemente.

     “Estava?” Kaaren olhou para Tom, que encolheu os ombros como se não soubesse do que Bill falava.

     “Eu só estava lavando as janelas” defendeu-se.

     “Hmm. Bill não estava te importunando?” Ela olhou para Bill severamente.

     “Jesus Cristo, eu só estava perguntando algumas coisas.” Bill disse de forma brusca.

     Tom olhou para Bill, este segurava a boneca com tanta força que suas veias saltavam.

     “Ele não estava,” Disse monótono. “Ele não estava me perguntando nada.”

     “Desgraçado.” Bill sussurrou.

     “Bill,” Kaaren disse num tom de alerta. “Venha”

     Ela puxou Bill pelo braço, este ganiu olhando para ela. A boneca tinha quase caído. “Você sabe que tem que dar apoio ao pescoço e a cabeça quando você segura um bebê!” ele retrucou.

     “Bill...”

     “Ela é delicada,” Disse severamente. “Muito delicada, e você quase a machucou!”

     “Perdoe-me,” Kaaren disse educadamente. “Eu não queria machucar a...”

     “Gabi,” Disse Bill. “O nome dela é Gabi, ela é uma doce garotinha.”

     “Ok.” Kaaren colocou gentilmente o braço ao redor do garoto e guiou-o para longe, devagar. “Me desculpa por isso, Tom.”

     “Sem problema.” Tom disse baixo assistindo os dois deixando a sala. Bill olhou por cima do ombro e deu um sorriso gigante para Tom. Tom sorriu de volta.

     Ele tinha mais um monte de janelas pra lavar e mal podia esperar para sair dali.


     A mãe de Tom, Simone, postou um prato em frente a seu filho. Tom agradeceu sorrindo. “Obrigado, mamãe.”

     “Coma logo ou ficará frio. Nós esperávamos você em casa mais cedo.” Simone disse demasiado preocupada.

     “Desculpa, eu estava limpando o chão. Tantos malditos pisos.”

     “Tom,” Ela sentou-se do lado contrário a Tom na mesa e suspirou. “Gordon não estará em casa esta noite.”

     “Oh?” Tom colocou na boca um grande pedaço de carne. Estava frio, mas tinha um gosto maravilhoso.

     “Não. Ele tem de trabalhar até tarde hoje. Bem, com certeza ele chegará bem tarde hoje.” Disse ela.

     “E daí?”

     “E daí, eu não sei, Tom. Só estou querendo te deixar por dentro do que acontece em casa.” Simone franziu as sobrancelhas. “Você nem está prestando atenção mesmo.”

     “Eu estou tão cansado,” Respondeu, observando o prato. “Desculpa, mãe.”

     “Eles pegam pesado com você?”

     “Pegam.”

     “Que bom.” Disse firmemente.

     “Cristo, mãe!” Tom resmungou, descansando o garfo no prato.

     “Eu só acho que é apropriado.” Simone inclinou-se sobre a mesa e mexeu de forma carinhosa em alguns dreads do garoto. “Estão ficando maiores.”

     “Hmrm” Tom concordou.

     “Bem, eu estou indo dormir. Não fique acordado a noite toda de novo. Se eu ouvir videogame, ou teclado ou sua voz depois da meia noite...”

     “Você não vai.”

     Simone revirou os olhos e levantou-se. “Boa noite querido.”

     “Boa noite.”

     Tom encarou o jantar, de repente estava sem fome alguma.

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