quarta-feira

Culpa

     Ali, entre todos os amigos e familiares, se encontrava um amor. Um amor proibido, entre irmãos. Havia mais carinho e sintonia entre eles do que em qualquer casal apaixonado. Um garoto alto e esbelto, cabelos longos e lisos tingidos de preto, roupa justa, também preta. Um capuz lhe encobria a cabeça contra a chuva, enquanto o guarda-chuva lhe servia de apoio. Por baixo dos óculos escuros, olhos tristes vagavam pelo belo local. Um campo esverdeado, com algumas árvores desfolhadas pleo outono, coberto de lápides e crucifixos fixados no chão. Um cemitério.

     O garoto não queria ter de viver aquele momento, então contentava-se ao recordar de outro. O que o levara àquilo.


     “Tom, eu não aguento mais.” Ele exclamou.

     “Deixe de ser fresco, Bill.” Respondeu o outro.

     “Cai na real. Se você gosta tanto assim disso, não insista em dizer que é para disfarçar, para nos esconder.”

     O loiro de dreads, mais velho, tentava se controlar. Mas não era uma coisa de que ele gostasse, brigar com o irmão.

     “Olha, eu gosto sim delas, ok? Mas o problema é que eu amo você.”

     “Se você me ama, assuma.” O moreno o encarou sério, e Tom ficou sem reação. “Que foi, ficou com medinho agora, é?” Desdenhou.

     “Me aguarde. Agora não tenho cabeça para isso. Quer ir dormir?”

     “Hoje sozinho.” Se virou e pisando forte subiu a escada para seu quarto.

     Na sala, Tom quase tremia de raiva. Tomou uma decisão errada; sabia que o irmão não aprovaria, mas mesmo assim pegou a chave do carro e saiu para a garagem. Arrancou forte e foi dirigindo em uma velocidade muito acima do permitido por uma rodovia cheia de árvores no acostamento. Não demorou muito para ter de desviar de um carro bruscamente e ir ao encontro de uma delas.


     Lágrimas escaparam pelos olhos de Bill, e ele jogou uma tulipa vermelha sobre o caixão do gêmeo, que logo estaria debaixo da terra. Ele não seria capaz de seguir a vida sozinho. Fizera uma besteira e agora tinha de consertá-la.

     A passos largos deixou o local antes do enterro terminar, indo para o carro, já com a chave em mãos. Entrou nele e ficou ali sentado, olhando as gotas d'água no vidro. Abaixou o capuz e tirou o cabelo de dentro do casaco. Colocou a chave na ignição e girou, esperando o carro pegar. Levantou os óculos e deu uma última olhada em seu rosto pelo retrovisor, tornando a colocá-lo.

     Com um último suspiro soltou o freio de mão, trocou a marcha e colocou o pé no acelerador.

     Levado pela culpa, arrancou. Partindo ao encontro do irmão.

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