sexta-feira

Sweet Tears


     Lágrimas? Eu não as suportava mais.

     Era só isso que Tom sabia me dar. Desapontamentos, tristezas, culpa. E depois tudo virava lágrimas. Quando eu me recompunha, achando que algo iria mudar, alguma outra besteira, outra das várias verdades que eu ignorava se voltava contra mim, acabando comigo novamente. Estava se tornando impossível viver assim.

     Eu não conseguia mais sequer ouvir sua voz. Praticamente toda noite era a mesma coisa. Companhia.

     Por quê? Por que ele não entendia o quanto aqueles malditos sons me machucavam? Eu sabia que não devia dar bola, que já devia ter me acostumado com essa medonha rotina. Mas quem disse que eu conseguia.

     Eu acabara de tomar uma decisão, a única coisa que daria resultado; da qual já tinha conhecimento há um bom tempo. Só que as lágrimas sempre encobriam minha coragem.

     Mas agora era a atitude que me restava tomar.

     Olhei o relógio.

     Ainda era cedo, então ainda tinha tempo até ele chegar com a vítima do dia. É, era assim que eu chamava as quase garotas que meu irmão trás para comer em casa, mais à vontade.

     Ok, deu de enrolar. Me despi e tomei um rápido banho, parando em frente ao meu closet apenas com uma toalha no corpo, olhando para as minhas roupas e me decidindo. Soltei a toalha e coloquei uma boxer, logo passando os olhos pelas minhas calças, sem conseguir escolher. Acabei por vestir a mais preta que eu tinha, junto com uma simples camiseta da mesma cor. Se era para causar, que fosse ao menos bem causado.

     A porta bateu. E uma risada deliciosa a acompanhou. Passos na escada, vozes, uma conversa que eu não queria entender. Outra porta, nenhum som de chave. Sorte a minha.

     Eu podia estar com o plano montado, mas ele não saciaria meu coração por mais de uma noite. Só que não valia a pena voltar atrás.

     Ergui meu rosto ao espelho, fechando a fivela do cinto prateado. Voltei ao banheiro, encarando meus acessórios e as maquiagens. Deixei os acessórios de lado e exagerei (como sempre) no negro contorno de meus olhos. Arrumei meu liso cabelo e fui olhar o relógio novamente. Tinha que me apressar.

     Caminhei a passos largos até a porta do quarto de meu gêmeo. Hesitei. Suspirei. E ouvi o barulho da porta bater contra o mezanino, ela voltou e segurei-a com a mão. Um par de olhos assustados me encarava. Um se voltou à dúvida e o outro à incredulidade. Ergui uma sobrancelha e me apoiei no batente da porta.

     “Eu já disse que essa casa não é um motel, Tom.”

     “Vai.” Ele murmurou para a garota, cuja presença eu mal tinha notado. Ao menos ele ainda a tinha deixado de calcinha.

     “Isso, venha. Você também me ouviu.” Falei de forma grosseira. A garota se levantou, procurou sua blusa e depois de lançar um último olhar ao Tom saiu, passando por mim.

     “Você me envergonha, Tom.”

     “Você se esqueceu que essa casa também é minha.” Respondeu numa calma fingida.

     “Não é você que tem que se aguentar.”

     “Eu posso muito bem sim transar com quem eu quiser no meu quarto.”

     “Desde que?”

     “Não atrapalhe ninguém.”

     “Isso mesmo.”

     “Isso eu me lembro, mas faço toda questão de ignorar. Isso te magoa muito, não é? Fica tendo que me ouvir fazer uma garota qualquer gemer. Deve ser uma coisa extremamente impressionante.” Estreitou o olhar ao pronunciar a última palavra.

     “É impressionante como você tem sentimentos.” Sentia que a coragem que eu tinha começava a se esvair de meu corpo, e que logo eu não iria fazer o que eu tinha como objetivo.

     “Eu te amo sim, irmãozinho. Ainda mais quando te faço sofrer. E pra variar é sempre indiretamente. Você deveria ficar muito feliz com isso, já que se fosse de forma direta seria muito pior.”

     “Claro. Tudo por um bom sexo. Ou nem tão bom assim.” Tentei ignorar os comentários dele, mas sabia que não iria adiantar. Em pouco tempo eu me entregaria as malditas lágrimas novamente.

     “Enquanto você chora do outro lado da parede. Acha que eu não sei? Pena que eu tenha um orgasmo para dar atenção, senão iria te dar um pelo tapa para ver se você acordava.” Vi seus lábios se repuxarem em um sorriso malicioso.

     Apenas o encarei com mais raiva, quase nojo.

     “Mas... apenas um tapa não daria certo. Teria que ser uma boa surra.” Fingiu que pensava alto. Ele tinha a estranha impressão de que teria que ser muito mais que uma boa surra para me ajeitar ao seu mundo.

     “Não seriam tapas e socos que me transformariam em um clone seu, mesmo que tecnicamente eu já seja.”

     “Exatamente. Só que um empurrãozinho te deixaria a par das coisas.”

     “Você sempre se engana comigo, não tem graça te dar lição de moral. Ainda mais para alguém que não sabe o significado da palavra respeito.”

     “Me dar lição de moral, Bill? De onde você tirou isso? Desde quando tu tem moral para poder me dar uma lição? Quem precisa de uma é você, para ver se finalmente aprende a viver ou a deixar de ser ridículo quanto aos meus atos. Que, por sinal, deveriam ser mais do que normais para você.”

     Deixei um incômodo silêncio se instalar no lugar da minha resposta no quarto completamente bagunçado de meu irmão. Não gosto de ter que chamá-lo de irmão. É pouco. Arregalei meus olhos. Não. Não. Não. Isso já era demais.

     Levei minhas mãos à cabeça, como se eu pudesse arrancar esse pensamento de mim. Era por culpa dele que eu chorava. A vida tinha que ser injusta até nisso, Deus.

     Voltei o olhar ao Tom, que me observava em meio ao terrível silêncio com uma expressão quase preocupada. Tenho toda certeza de que ele tentara escondê-la. Pisquei fortemente, impedindo as lágrimas de me dominarem.

     “Que... que houve?” Perguntou baixinho, me impressionando com a tremenda mudança de temperamento. Era um lado do Tom que vivia escondido, do qual eu sentia falta. Mas eu não iria me render a ele.

     “Agora você quer me entender?” Entrei em seu quarto e me sentei na cadeira, tirando as roupas amassadas que ali estavam. Abracei minhas pernas e fiquei olhando fixamente para o Tom. “Hein?”

     Um suspiro se ouviu no ambiente.

     “Sabe, eu amo você. Mas eu me recuso a te aguentar. Para mim, você deveria pegar esses sentimentos e engolir. Eu cansei de tentar te entender, te ajudar, de me preocupar, se você nunca me dá bola.”

     “Você nunca soube como perguntar. Sempre foi grosseiro, me insultando e ofendendo. Como queria que eu lhe explicasse alguma coisa se você me desprezava de tal maneira? Eu acabava me calando e ouvindo ainda mais.” Confidenciei, quase em silêncio. O jeito que ele me olhava, quase assustado, como se nem notasse que falava tão mal comigo, não estava ajudando. “Eu nem sei ao certo o se o que sinto dá pra explicar. Você teria que descobrir sozinho.”

     “Mas você não entende que eu não consigo?” Gritou.

     “Você nem tenta. Não deve ser nada complexo demais para sua inteligência.”

     “Então me ajude.”

     “Não consigo me decidir.” Carreguei na ironia.

     Observei seu piercing se mexer enquanto ele pensava seriamente no assunto, que ele não entendia porque não queria. Era uma coisa muito óbvia, mas ele não prestava atenção em mim, não tinha nenhum motivo para isso. Depois de alguns minutos ele enfim resolveu falar justamente quando eu começava a chorar.

     “Quer saber o que eu acho, Bill?” Me levantei e voltei para porta, parando ao ouvir a pergunta.

     “Na verdade, não.”

     “Sinceramente, eu tenho pena de você.”

     “Não tenha pena de mim Tom.” Me virei para ele, olhando em seus olhos e continuei, com uma frieza inesperada na voz. “Você tem um orgasmo para dar atenção.”

     Dei-lhe as costas e saí, indo novamente me entregar às doces lágrimas em meu triste quarto. Doces lágrimas.

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